A palavra italiana para o número quatro -- quattro -- foi escolhida, em 1980, para representar o sistema de tração integral da alemã Audi. Introduzida no modelo Coupé, baseado no sedã 80, foi a primeira vez em que um automóvel teve sucesso com as quatro rodas tracionando todo o tempo, antes um privilégio de utilitários.
Em 1966 a britânica Jensen havia oferecido, no modelo Interceptor (saiba mais), o sistema Formula Ferguson de tração integral, mas era caro demais para ser produzido em grande escala e foi abandonado já em 1971, depois de apenas 320 unidades produzidas. Já a Subaru tinha tração 4x4 em 1974 com o Leone série L, só que era um sistema de engate seletivo, com caixa de transferência para acionamento manual da tração auxiliar, enquanto a Audi introduziu a tração integral permanente com diferencial central.
Até a chegada do Audi Quattro, considerava-se a tração 4x4 tão desnecessária quanto prejudicial a um carro projetado para o asfalto, pois os sistemas disponíveis eram caros, pesados e pouco eficientes. Com toda esta experiência acumulada, Benzinger e Naumann haviam trabalhado com todos os sistemas de transmissão até então disponíveis: motor e tração traseiros, motor dianteiro com tração traseira, motor e tração dianteiros. De acordo com Benzinger, só restava uma opção ainda não experimentada: tração permanente nas quatro rodas, experiência que ele concretizou ao trabalhar na equipe de desenvolvimento do jipe Volkswagen Iltis.
(Três diferenciais, sendo um central: a vantagem do Quattro sobre sistemas anteriores)
Quanto mais analisavam o projeto, mais concluíam as vantagens da tração permanente -- mas precisavam de aprovação da direção da empresa para levar o projeto adiante. Foi então que pediram ajuda ao diretor de Pesquisa Ferdinand Piëch, neto do Professor Ferdinand Porsche e hoje presidente do grupo VW. Piëch é tido por muitos como o "pai" do sistema Quattro e por outros como quem apenas divulgou o projeto, ficando os méritos para Benzinger e Naumann.
Uma das prioridades era a simplicidade mecânica. Um conjunto simples ajuda a diminuir o peso final e os custos de produção, além de contribuir para a longevidade do sistema. Tudo o que Benzinger e Naumann queriam era se manter afastados do conceito da Jensen, com um sistema extremamente complexo, dispendioso e de poucas vantagens -- o Jensen FF tinha velocidade máxima de 208 km/h com um motor de 330 cv, baixo desempenho causado pela complexidade da tração.
Há que referir que Quatrro ficará marcado pelo bom desempenho e excelente estabilidade em qualquer piso, marcando a época para a marca alemã acabando por ser campeão de rali em 1982 e sua evolução, o Quattro Sport, faturou em 1984.O conceito básico de funcionamento do sistema Quattro original era adicionar o menor número de componentes possível ao conjunto de tração dianteira, até então utilizado nos carros da linha VW/Audi. Este é praticamente o mesmo utilizado até hoje no Santana, com o motor posicionado um pouco à frente do eixo dianteiro, permitindo desenvolver um acionamento para as rodas traseiras a partir do transeixo existente. No entanto o projeto original da transmissão foi modificado para ter uma tomada de força para a traseira, por modificação da árvore secundária. Esta passou a ser oca, de maneira a acionar a carcaça do diferencial central com a parte externa e abrigar, em seu interior, o pinhão do diferencial dianteiro. O diferencial central foi desenvolvido pela Ferguson.
Esse diferencial era o segredo da tração Quattro, sendo encarregado de compensar as diferenças de percurso das rodas dianteiras e traseiras e reduzir a absorção de potência pelo arrasto excessivo dos pneus nas curvas de pequeno e médio raio. A repartição de torque era 50-50, o que levava a comportamento subesterçante (sair de frente nas curvas) algo pronunciado, como desejado pelos engenheiros Naumann e Benzinger. Restava a missão de desenvolver o sistema de tração traseira, usando o conceito McPherson em substituição ao eixo de torção, já amplamente utilizado pelas marcas desde o Passat 1973. O projeto todo levou pouco mais de três anos do primeiro protótipo, construído em 1977, até a versão definitiva do Audi Quattro, apresentada no Salão de Genebra de 1980.
Grande parte dos componentes mecânicos era derivado do Audi 80 e Passat, com outros sistemas originários do Iltis. Os primeiros protótipos não tinham diferencial central, mas a idéia logo foi levada em consideração para que o carro tivesse melhor comportamento dinâmico. Com os protótipos finalizados, era hora de mostrar o serviço aos dirigentes do grupo Volkswagen.
A concepção básica do motor do Quattro era a mesma do Volkswagen AP, mas com cinco cilindros e turbocompressor. O mesmo projeto foi usado nos anos 90 na perua RS2 preparada pela Porsche.
A tração integral foi combinada a um motor de cinco cilindros em linha e 2,15 litros turboalimentado, que produzia 200 cv de potência e 29 m.kgf de torque máximo. Compartilhando o projeto básico dos motores AP, tinha reputação de grande resistência e foi utilizado mais de 10 anos depois na perua Audi RS2, com preparação pela Porsche e 315 cv de potência.
Mais tarde...
Entre eixos curto, motor mais leve e 300 cv de potência a 6.800 rpm: nascia em 1984 o Quattro Sport, versão evoluída que teve apenas 214 unidades produzidas, muitas para competição.
A produção do Quattro era praticamente artesanal -- apenas dois por semana. Logo surgiu a idéia de participar de diversas competições, com dois objetivos: estabelecer uma imagem para a Audi, que havia perdido parte do prestígio conseguido nos tempos áureos da Auto Union, e aprimorar o desenvolvimento do sistema.
(O conjunto mecânico do Sport: motor de 20 válvulas com turbo de grande capacidade, suspensões McPherson, rodas de 9 x 15 pol, pneus 235/50)
O Quattro fez sucesso também pelo desenho moderno e robusto, com destaque para as largas colunas traseiras, e por oferecer espaço interno dos melhores em sua categoria. A primeira versão alcançava 215 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em cerca de 7,5 s, apesar do peso relativamente elevado, 1.330 kg, e da aerodinâmica nada eficiente.
Ficará bem-sucedido nos ralis, tornando-se campeão nas estradas poeirentas logo em 1982, mas no ano seguinte era superado pelo Lancia 037 de tração traseira, o que levou os engenheiros da Audi de volta às pranchetas. Em fevereiro de 1984 nascia o Quattro Sport, uma versão evoluída: motor com bloco também em alumínio (22,7 kg mais leve que o anterior), turbo KKK de maior capacidade, taxa de compressão mais elevada, cabeçote de duplo comando e quatro válvulas por cilindro.
Seu entreeixos fora reduzido em 32 cm -- sua característica mais estranha, pois as rodas ficavam lateralmente muito próximas umas das outras, o oposto do que se faz hoje --, e de um quatro-lugares confortável passava a ser um 2+2 com reservas. As versões de rua ficavam em 300 cv de potência e 33,5 m.kgf de torque, o bastante para atingir velocidade máxima de 250 km/h. Mas nos ralis o Sport atingia até 500 cv e acelerava de 0 a 100 km/h em cerca de 4 s. A carroceria usava fibra de carbono, alumínio e fibra-de-vidro em profusão, sobre um monobloco em aço similar ao do Quattro anterior. As rodas de 9 x 15 pol recebiam pneus 235/50 VR 15 e os freios a disco ventilado possuíam sistema antitravamento (ABS), que podia ser desligado se o motorista desejasse.
É de facto um Real Rally...